segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A universidade

A universidade,
Santidade do conhecimento
Paisagem esculpida por entre a cidade
Abrigo de notáveis detentos

Advindos de vários lugares
Reunidos em busca da erudição
Portadores de sotaques peculiares
Todos com sede de revolução

Futuros líderes nacionais
Trazendo à tona a racionalidade
Adestrando os semelhantes animais
Com seus diplomas de superioridade

Nos caminhos circulares
Da santa universidade
É que o instinto animalesco
Vence o bom senso

E a seleção natural dos mais fortes
Força os sagazes acadêmicos
A imporem a sua autoridade
à mínima demonstração de talento

Expondo seus fracos méritos
Debatendo nos corredores a salvação
Ganhando aplausos sinceros
E a tão sonhada absolvição

Quando, por fim, deixam o monastério
Sentem falta dos lugares marcados
Dos jogos de cartas marcadas
E do despaltério velado
Com que eram tratados

Formam sua própria ninhada
Em busca do preenchimento do nada
Agora são escravos das palavras
E descobrem que tem um dois de paus
Ao invés de um às de espadas

Sem escolha, seguem em frente
Agora sem a bolha aderente
Rangem os dentes para o Estado
E pegam o primeiro osso jogado
Maldita universidade;
Monumento à saudade.

domingo, 12 de setembro de 2010

Realismo-romântico

Dos tempos dos homens modernos
que só sabem o seu final
Num mundo de caminhos abertos
Da linha tênue entre o bem e o mal
Daqueles de olhos tristes
Que enchem os lábios com cânticos
Da geração que não vive, existe;
Eu lhes apresento o realismo-romântico

Do futuro cheio de saudades
De lembranças doces da infância
Dos sonhos e metas por alcançar
Os homens que comem esperança
Talvez o melhor que há
pra não se afogar em pleno mar furioso
Cavar bem devagar com a pá
Em busca de ouro ou osso

Dos céticos que pedem perdão a Deus
Da inveja da vida de um simples plebeu
Da consciência de mundo
Adquirida em poucos segundos
Dos anos perdidos sem sair do lugar
E das lágrimas iluminadas pelo luar
Das religiões construídas com budas e santos
Me corta o coração observar o realismo-romântico.

Os óculos escuros talvez sejam os culpados de tudo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Curiosidade

A cada segundo me pergunto
Se o que me proponho:
A ser infeliz por um sonho
Não é só uma desculpa
Pra poder ficar só

E fumo no banheiro de um quarto de hospital
Um pequeno suicídio diário
Que torne suportável a vida real

Mas às vezes eu passo dos limites
E já não sei se existe, em mim
A noção de bem e mal

No amor de verdade não existe ingratidão
Nem, tampouco, o ódio se transforma em perdão
Por simples inércia temporal

Eu vivo, simplesmente,
Do conflito presente,
Por curiosidade aparente
De descobrir no final
Se eu sou mais humano que animal.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Minhas Olheiras

Minhas olheiras falam por mim
Revelam quem eu sou
Quem eu não quero ser
Meus desejos, anseios
O peso que me é viver

Minhas olheiras não mentem
E tem um quê de divinas
Fascinam-me ante ao espelho
Riem-se dos meus medos
Me lembram de quando eu fui são

Minhas olheiras tão negras
Minhas amigas sinceras
Deixem de lado o egoísmo
Dividam meu rosto comigo
Permitam o sangue correr

Minhas olheiras queridas
Eu juro que as amo
Mas devolvam meus planos
Devolvam meus sonhos
Me deixem dormir

Minhas olheiras eternas
Genealogicamente perfeitas
Tão incompreendidas
Filhas dos pais da vida:
A tristeza e o amor

Minhas olheiras reais
Ingênuas por natureza
Sentem-se comigo à mesa
E me desmintam:
Não, eu não estou bem.

Tentando Quebrar a Janela

O mundo é um quarto de hospital. Alvo, tranquilo e basta abrir as cortinas para ver o sol brilhar lá fora. Você está ali, mas é apenas uma fase, um estágio e logo você estará vivendo o esplendor do dia radiante que, por vezes, se oculta às cortinas. Você se esforça para melhorar rápido, para sair, você suporta a dor intermitente e os tubos entrando e saindo pelos mais diversos orifícios do seu corpo. “Vai ficar tudo bem”, diz a simpática enfermeira, irradiando bom humor. As pessoas riem, contam piadas, umas poucas estão pensativas, concentrando-se em ler o folheto do hospital.
A partir daí você começa a se acostumar, o soro é um membro do seu corpo, inseparável. Você tem muitos amigos, um em cada quarto pelo qual passou. Conversam sobre quando sairão do hospital, sobre o que farão depois e pactuam em se esforçar no tratamento. Numa dessas conversas, discutem a paisagem do lado de fora e, estranha, mas mágicamente tem visões completamente diferentes que acabam por se fundir e chegar à uma imagem parecida, dissonante nos pequenos detalhes.
Mas há algo ali que o incomoda, um barulho ocasional, violento, seguido por gritos animalescos. Com o tempo você descobre que há um homem que se recusa em seguir o tratamento, que não têm amigos e pouco fala. Ele é considerado um louco, mas como não é violento e é pouco sociável, fica misturado ao resto dos pacientes, pois o hospital não tem uma ala psquiátrica especial. “Ele está tentando quebrar as janelas novamente”, você escuta os comentários pelo corredor. “Louco, porque tentar sair de um lugar no qual até os médicos fazem questão de serem tratados?”.
Seus amigos mudam, chegam novos e dizem que os que não estão mais lá, estão curtindo a vida plenamente. Você fica satisfeito, não vê a hora de chegar sua vez. Faz planos de ligações, viagens. Descanso, enfim.
E quando a hora finalmente chega, você está radiante, te levam à uma sala. Extasiado, você não percebe as feições incolores das pessoas com quem tem contato naquele dia. O procedimento final tem início, você é anestesiado única e exclusivamente pela esperança. Ah, que sedativo poderoso! De repente, um barulho. Maldito homem tentando quebrar a janela. Dane-se, que importa nesse momento?! Mais batidas.
Estão segurando a sua a mão. Silêncio.
Preto.