terça-feira, 30 de novembro de 2010

A corda

Ela se estica
E envolve sua jugular
Maciamente repousa
Sobre as veias do pescoço e da nuca

Um empurrão e ela se aperta
E ninguém é tão teimoso
Que não aprenda com a brutalidade
Que às vezes a vida impõe em sua lições
Metaforseada em corda

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O jovem

Errático, lunático, profético
Quase eclesiástico; um santo moderno
Possesso pelos demônios do passado
Encobertos por sonhos funestos

Vagando pelos clichês a tentar
Enxergar os porquês nas entrelinhas
Onde as miudezas da vida amiúde
Se sentam à mesa para comer as virtudes

Sozinhas, se fazem presentes
Por um instante, a serem vistas
Por estranhos videntes

O jovem caminha por entre os dentes
Da vida, um dia sadia
Hoje, apenas decadente.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O tempo II

Mas não devemos desprezar o passado
Porque o presente foi moldado
E é moldado pelo passado
Mas quando foi presente
E pensamos, às vezes, em ter agido diferente
Mas não adianta
O passado não passa de um presente obsoleto

Façamos então dos atos presentes
Uma vida que valha a pena
Façamos da vida um presente
Porque ela nada mais é que isso
Um presente constante
Para que o futuro seja mais brilhante
E o passado, passado para trás
Mas visto com menos angústia

Aprendamos.

sábado, 13 de novembro de 2010

O tempo

A vida é o presente
O presente é apenas o agora
Porque o que é passado já se foi
E nunca mais será nada

Continuamos a buscar o futuro
Como se movidos a esperança
Desgraçando as lembranças
É tudo tão tangível quanto o vazio
Que comporta a sua existência
Humana, por convenção
Miserável, por consequência

O relógio foi inventado para orientação
E para apaziguar o seu coração
Desorientado
Pelo tédio profundo
Contando os segundos para o futuro
Deixando para traz o passado
E esquecendo, que a vida é um presente
Se for entendida como o presente
E mais nada.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Reflexivo

     Acordei com o toque do celular. O qual, aliás, sempre me irritava. Já deveria tê-lo trocado há muito tempo. Atendi meio sonolento:
    • Alô?
    • Heitor, já está pronto? - reconheço a voz doce, quase infantil de Agnes do outro lado da linha.
    • Pronto para o quê? - perguntei, ainda meio lisérgico.
    • Você não muda nunca, mesmo. Esqueceu-se que combinamos de ir ao parque de diversões hoje?
     Repentinamente me lembrei do compromisso que havia agendado na noite anterior.
    • Ah, Agnes, não podemos fazer um programa normal de adultos, como ir ao teatro, ao cinema ou para o quinto dos infernos?! - argumentei, tentando me esquivar.
    • A juventude é um estado de espírito, meu querido! - respondeu, como se eu fosse ser convencido por esses clichês de novela.
    • Tudo bem, eu pergunto para o meu espírito quantos anos ele tem quando ele acordar.
    • Ora, você me prometeu, seu infeliz.
    • Eu teria prometido bater de porta em porta pregando a palavra do Senhor depois de cinco doses de tequila.
    • Não me venha com essa, sua torpeza não vale como desculpa para mim. Logo eu, que já te carreguei tantas vezes para casa. Te aguardo no local de sempre, às duas horas.
    • Está certo – resignei-me, por fim. Não conseguia mesmo resistir aos pedidos de Agnes.
     Terminei a chamada e olhei para o relógio. Já passava muito da uma da tarde. Levantei-me apressado, vesti a primeira roupa que me veio às mãos, me encaminhei até o banheiro, joguei um pouco de água no rosto, escovei rapidamente os dentes, peguei meu maço de cigarros e meus óculos escuros e saí resmungando.
    • Que diabos! Parque de diversões! Era só o que me faltava.
     A casa de Agnes não ficava muito distante da minha, devia ser uns quinze minutos de caminhada. Sempre que íamos fazer alguma coisa, marcávamos de nos encontrar na pequena praça que ficava em frente a sua residência. Desta vez, porém, ainda lutando contra os meus olhos, que teimavam em fecharem-se sozinhos, demorei mais do que de costume no trajeto.
      Quando cheguei ao, naquele momento, malogrado lugar, avistei-a, sentada num dos bancos que ficavam encrostados por entre pequenas árvores. Ao avistar-me, não fez a mínima questão de esconder a impaciência:
    • Certamente que você não tem ascendência britânica! - disse num tom jocoso.
    • E para que eu hei de querer ter na minha linhagem aqueles bastardos ingleses? As únicas coisas boas que saíram da Inglaterra foram algumas bandas de rock e a Kate Moss.
    • Como se você também não fosse um bastardo! Me fez esperar aqui mais de meia hora.
    • Me dê um tempo, vai! Eu estou fazendo o favor de te acompanhar até esse parque. Por que raios você tem que me levar nesse túnel do tempo que desemboca na sua infância?
    • Porque você é meu melhor amigo, quem mais iria aceitar ir comigo?
    • Com certeza, ninguém com mais de 15 anos e em pleno gozo das faculdades mentais.
    • Sorte minha que você é maluco! Agora vamos, temos um longo dia pela frente.
     Por inércia, acompanhei-a e fomos conversando sobre coisas banais, como a noite de ontem ou como ela achava que eu parecia que iria a um velório. A verdade não era muito diferente, eu estava prestes a enterrar a minha dignidade. Acendi um cigarro e segui o cortejo fúnebre.
     Não demoramos a chegar ao parque. Ficamos algum tempo na fila e então pagamos nossas entradas. Não demorei também a sentir vergonha de estar naquele local. Parecíamos ser os únicos adultos ali que não estavam acompanhando os filhos. Sortudos! Podiam até estar se divertindo, mas sempre teriam nos filhos uma prova cabal, junto ao ar de tédio, do motivo pelo qual estavam ali.
     Era tudo muito colorido e, não fosse pelos meus óculos escuros, certamente haveria o risco de eu me cegar ao olhar desavisadamente para um algodão doce ou uma pista de carrinhos de batida. Agnes, entretanto, se deliciava com todo aquele ambiente. Nunca entendi porque nos dávamos tão bem, e por falta de explicação melhor, aderi à velha teoria de que os opostos se atraem.
     Ela foi logo me puxando pela mão para que fossemos à montanha-russa. Eu, preocupado em preservar minhas córneas, instintivamente fui caminhando junto a ela. Havia uma pequena espera, e na frente, uma placa indicativa da altura mínima, que fez com que meu rosto se enrubescesse.
     Chegou nossa vez, subimos e nos aprontamos. O trajeto começou e entre descidas, subidas e loopings, meu estômago fez-me o favor de se fazer presente. Não tinha comido nada o dia inteiro e ainda tinha vomitado boa parte do que consumira no dia anterior. Ao final do trajeto, Agnes era pura felicidade, enquanto eu sentia um mal-estar terrível. Sempre sensível, ela perguntou se eu estava bem. Acenei positivamente com a cabeça, mas disse que ia descansar.
    • Vou contigo, então – disse, solícita.
    • Não é preciso, vou me recuperar em breve, vá se divertir. Afinal de contas, foi você que fez questão de vir. Não se importe comigo. Vou sentar em algum lugar e te ligo quando me sentir melhor.
    • Tem certeza?
     Apenas olhei-a dentro dos olhos, virei as costas e caminhei em busca de algum lugar em que eu pudesse me sentar ou lavar o rosto. De repente, percebi uma tenda, onde na frente lia-se uma placa em letras maiúsculas: “CASA DOS ESPELHOS”. Olhei em volta e não avistei nenhum lugar no qual houvesse a possibilidade de me aprumar. Pensei que poderia relaxar um pouco e talvez até soltar algumas risadas com meus reflexos desfigurados, ali. Retirei os óculos escuros e entrei.
     O local estava completamente deserto. Naquele pequeno pedaço do céu para as crianças, e até mesmo para alguns adultos – vide Agnes – onde era possível se drogar naturalmente, com endorfinas e outras substâncias que causavam prazer, a sala espelhada era uma das últimas opções de diversão. Contudo, o fato de estar vazia só aumentou meu desejo de permanecer. Dei uma pequena volta, olhando as imagens tortas que se faziam ali presentes. Tudo era eu, de uma ótica diferente. Comecei a refletir sobre aqueles reflexos e pensar que aquilo tudo era uma pequena maquete da sociedade em que eu vivia, do meu mundo privado. Cada um me enxergava de um jeito, para cada pessoa, eu possuía uma essência diferente, que fazia com que tivessem uma opinião diversa de mim. Nesse momento me questionei: qual dos eus ali presentes, seria o verdadeiro?
    • Eu sou você! - gritou uma voz atrás de mim. Olhei ao redor. A sala ainda estava completamente deserta.
    • Quem está aí? - perguntei elevando o tom de voz.
    • Eu sou você, prazer! - escutei novamente.
     Um pouco assustado, me virei e percebi que a voz vinha de um espelho central, turvo e fragmentado. Me aproximei lentamente. Foi quando o espelho fez um movimento diferente, puxou um cigarro e começou a fumar. Achei aquilo tudo loucura, que devia ser fruto do mal-estar que estava sentindo. Todavia não resisti à tentação de dialogar:
    • Como pode ser eu, se eu não me sinto você?
    • O que eu posso fazer se não é bom em se reconhecer?
    • Eu nunca me vi desse jeito, maldita alucinação!
    • A verdade, meu amigo, é questão de opinião.
    • Para de rimar tudo que eu digo, espelho estúpido!
    • Está nervoso porque eu sou o seu orgulho caído?
    • Você não passa de uma pobre assombração.
    • E que mais é você, dos ateus o mais cristão.
    • Olha, eu devo estar ficando maluco, mesmo.
    • Nisso eu concordo, estás a viver a esmo.
    • E como deveria então, me orientar?
    • Bom começo seria se livrar da máscara.
    • De que máscara você fala?
    • Daquela que você usa, no trabalho e fora de casa.
    • Mas eu sou o mesmo em todo lugar.
    • Nisso você está errado e eu posso provar.
    • De que maneira, pobre diabo?
    • Aquela moça linda, que veio ao seu lado...
    • Não abra a boca para falar dela.
    • É tão meiga e sincera...
    • Estou avisando, estou prestes a esmurrar-te.
    • Nossa dor será solidária, meu “cumpadre”.
    • Só se eu me cortar com algum dos seus cacos.
    • Já não é suficiente ter o coração em pedaços?
    • Eu não entendo nada do que você diz.
    • É porque ama aquela moça, mas ama mais ser infeliz.
    • E de onde vem tal conclusão?
    • Do medo que tens de ter uma verdadeira paixão.
    • Eu a amo mais que tudo, seu imundo!
    • Somos nós, só um vagabundo.
    • Vá cuidar de outro assunto, que te importa a vida alheia?
    • Eu sou você, idiota, nunca se esqueça.
    • Oscar Wilde deve estar a rir de mim abaixo dos campos de centeio.
    • Somos um Dorian Gray, porém mais feio.
     Deitei e pensei por alguns instantes. Comecei então a chorar, coisa que eu não fazia há anos. Não porque ele havia dito que eu era feio, mas porque eu começava a entender o meu eu verdadeiro. Meu amor por Agnes, minhas várias faces, eu tinha emprego, algum dinheiro, mas não tinha amor. Um frio tomou conta da minha barriga e senti meus cabelos se arrepiarem. Eu era um miserável, concluía, por fim. E coube ao meu espelho mostrar isso a mim.
     Sentei no chão e fiquei desconsolado. Depois de algum tempo pensando, uma fúria tomou conta de mim e me arremessei diante da superfície reflexiva urrando:
    • Me deixa viver minha vida de mentira!
     O espelho se espatifou em vários pedaços. Saí correndo, com medo que alguém pudesse ter presenciado a cena. Para o meu espanto, já era noite. Meu celular tocou. Nunca me agradou tanto aquela música ridícula. Era Agnes. Combinamos de nos encontrar na saída. Nos cumprimentamos e puxei-a para um táxi. Ficamos calados, até que ela tomou a iniciativa:
    • Você não parece bem.
    • Dormi em um banco e tive um sonho ruim.
     A conversa terminou ali. O táxi a deixou em casa, numa despedida rápida. Rumou então para o meu prédio. Desci e paguei, sério. Entrei em casa, ainda aturdido, o que tinha sido tudo aquilo? Mas eu estava exausto, tirei minhas roupas e deitei-me. Os acontecimentos daquele dia ecoavam na minha cabeça. Cheguei a conclusão de que tinha sido tudo besteira. Tomei um calmante e dormi tranquilamente. Não sem antes trocar a música do celular.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Versos de um estuprador

Vê se sossega e fica quieta
Sou estuprador, mas sou poeta
Nas horas ociosas de ereção
Acabando escrevendo sobre paixão

E não adianta gritar ou pedir
O socorro mora bem longe daqui
Agora a dor do desespero
É, da arte, o principal tempero

Aposto que eras uma menina mimada
O que queres do cardápio: pão ou água?
Trago também alguns versinhos
Sobre o tempo e os gênios extintos

A experiência não foi boa para você?
Que pena, porque eu morri de prazer
Me perdoem de da Vinci a Descartes
Mas o sexo é a melhor das artes

A poesia também tem seu valor
Bem que eu queria poder ser escritor
Quebraria o vaso chinês e com os cacos
Mataria na ilha o homem que queria um barco

Pensando bem, até que você é bela
Apesar de que não foi de forma singela
Nosso primeiro encontro de amor
Passear sozinha,com os olhos dessa cor?

Não quero saber da sua vida, apenas escuta
De tudo que há lá fora, não sou o que mais assusta
Seu corpo, pode até ser virgem de violência
Mas com certeza estupram todos os dias sua inteligência

E se me permite uma pequena colocação
Não do tipo que eu fiz ali, sob o colchão
Mas um comentário, que penso pertinente
Posso ser psicopata, mas não sou demente

Veja o meu caso, aqui na sua companhia
Sem calças ou remorso, fazendo poesia
Você me olha, pálida, com medo da morte
Enquanto mal sabe que ela é a maior das sortes

Porque o mundo está fadado ao fracasso
Eu só jogo esse jogo porque o tempo é escasso
Mas não quero ser hipócrita, até me divirto
O prazer é todo meu e nisso eu consinto

Mas qual a minha diferença para aqueles
Que vão à igreja, mas odeiam toda a gente?
Pensam que são melhores do que eu
Porque cantam músicas e preces para Deus

Eu ao contrário, não tenho máscara
Sou um desgraçado, causador de desgraça
Vamos mesmo para o mesmo lugar
Porque eu iria me propor a mudar?

Minha pena eu cumpro todos os dias
Sendo obrigado a conviver com a hipocrisia
Agora chega de poemas ou lamentos
Vamos logo, porque na segunda sou muito mais lento

Ah, por fim, se te interessa
Não vou pedir nenhuma recompensa
O dinheiro não me presta para nada
E com o tédio, o sexo me faz uma falta danada

É tão jovem, pequena senhorita
Há tempo para se acostumar a essa guarita
Porque se pensas em um dia voltar
Que fique claro que vou te adotar

Que comece o segundo ato!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A-moralidade ateísta

Olho pra cima
E vejo um javali e um urso em atrito
Numa chuva que se aproxima
Sem sair do lugar

Quem vai cair na poça de lama?
À esquerda de toda essa trama
Estampada acima da sala de jantar

Tento desvior o foco
E vejo a luz
Circuncidada por pequenos buracos negros
O interruptor é o meu jeito personalíssimo
De controlar o tempo

E desço as escadas dos meus olhos
Olhando pela janela
A lua, a terra, o mar de Minas Gerais
Nada disso me importa mais

Volto minha íris para o teto
Pensei que havia ali algum inseto
Interessante, meu céu é feito de concreto
E um dia há de desabar.

Entre mentes

Eu estava caminhando pela floresta
Quando avistei uma linda moça, meiga e terna
Descendo em minha direção
Direto do topo da montanha

Ela era loura, dos olhos azuis
Convidou-me para tomar um café
Na lanchonete que havia ali perto
Do lado do prédio em chamas

De costas, senti que ela me olhava de um jeito estranho
Me senti ameaçado e a esmurrei
Com socos e pontapés
Até que ela se levantou, com as faces cheias de sangue
E ordenou o menu ao garçom vestido de palhaço
Pediu uma torta e uma marionete
Disse que sentia falta de brincar
Eu pedi alguns confetes
Para o caso do Carnaval chegar

O palhaço então foi a cozinha e avisou
Que ali não se vendia tortilhas ou outras comidas
Apenas abraços e camisinhas

O nariz dela ainda sangrava
Achei-a atraente e até decente
Por rejeitar fazer sexo comigo naquele momento

O palhaço então chamou o gerente
Um vampiro alto e imponente
Que disse que teríamos que ir ao zoológico
Se não fossemos nos servir ali

Lembrei-me de um lugar cheio de animais
E a moça insistiu em me acompanhar
Chegando ao tal lugar
Acariciei suas faces
Minhas mãos estavam cheias de sangue, agora
De repente, o Leão solto no parque
Pulou e arrancou meu braço
Com uma só mordida e se foi para sempre

A garota ria e eu também
Amém! assim o sangue corre em todos nós
Dei a ela uma nota de 30 reais
Ela usou para limpar o nariz
E jogou para os pomborcegoa que viviam ali
Eles a devoraram com voracidade
Entremente eu pensava
Que tarde maravilhosa!

Soneto do Riso

O status quo é tão sedutor
Por que mudar se me agrada tanto a dor?
E resistindo à tentação de tentar resistir
Me entrego ao torpor de deixar de sorrir

E toda a medicina, psicologia
Psicanálise e curanderia
Se reúnem para debater
O que esse jovem garoto vê no sofrer

Tímido e com meus olhos provando que não minto
Depois de algumas doses de vinho tinto
Eu faço questão de que fique bem explicado

Todo esse circo, todo esse desejo
É porque ser triste me dá ensejo
A enxergar o que, realmente, é engraçado.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Os garotos

O garoto perfeitamente amado
Aprendeu junto ao garoto adulto,
Saudosista da infância que nunca teve,
A ver um mundo pálido
por detrás da fumaça dos seus pequenos charutos
Embalados em maços de 20 unidades

Caminhavam pra casa derrotados
Fundidos num corpo de quatro braços
Bêbados, humilhados
Chorando lágrimas salgadas
E com o gosto amargo na boca
Da sola dos sapatos das outras pessoas

Um deles caiu, o outro seguiu,
Sem sair do lugar
Entrelaçados num abraço
que nasceu depois de cinco anos de dores de parto
Se entreolharam e pensaram juntos:
"Os outros que se danem
Vamos fazer poesia".

Caminhos

Os comunistas se comunicam
Com palavras canibalistas e abaixos à dor
Os bandidos capitalistas
Levantam a bandeira da paz e do amor

E a geração que parou no tempo
Escolhe o seu lado à mercê do alheio
Fazendo com que o passado
Seja a lição que nunca aprendemos

Nós não conseguiremos nada
Se não abaixarmos as armas
Metafóricas ou não
E digerirmos as palavras
Absorvendo a nossa própria opinião
Ser diferentes é o mínimo que podemos tentar
E o máximo que vamos conseguir

Sejamos todos iguais!
Mas na capacidade de discernir
O que precisamos ter
Para sermos alguém
Vivendo em um lugar
Que não sejam necessários cumprimentos
E com um simples olhar reconheçamos
As idéias que vão nos guiar
E metamorfosear as sonhos e utopias
Em dia-a-dia.

Tenho dito

Eu sou o filho que toda mãe queria ter
Menos a minha
Eu sou o garoto que ninguém queria ser
Exceto eu
Quem me conhece sabe que eu estou realizado
Quem me vê, acerta, não tenho nem um centavo

Sou o mártir vilanizado
O herói martirizado
Pelo nada, por assim dizer
Com uns versos na cabeça
E um pão no bolso, para comer

Porque viver de poesia
É como viver de amor
Só é bonito escrito
A vida não é nenhuma flor
E tenho dito.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ro!cosor

O melhor beijo que já tive
Foi aquele que você me negou
Me chamando de amor
E encostando os lábios na minha testa

Agora, só me resta seguir viagem
De carona no primeiro caminhão
Sozinho e dilacerado
Até encontrar o caminho para fora daqui

Até chegar em um lugar
Onde ainda não inventaram a solidão
Onde os sonhos não existem
Onde o único sonho é acordar

Por que dormir é tão bom?
Por que a insônia é o pior das maldições?
Porque a vida é fácil
Para quem não vive, só existe

Eu não tenho medo, eu não tenho amor
Eu estou aprisionado na teia da aranha-gigante
Que todos os dias tece o amanhecer
Fazendo o sol nascer e me engolir

Se é a prova que te faltava
Estão bem aqui, as notas rasgadas
Que eu estava guardando no bolso
Para minha última dose de whisky nacional

Eu acho que enlouqueci
E tudo que me dizem é pra pensar que sou feliz
Eu até tento mentir, mas sou um mau mentiroso
Porque só sabem contar mentiras
Aqueles que conseguem crer nas palavras
Que saem direto da garganta
Para fazer a sua última ceia

Por que dormir é tão bom?
Por que a insônia é o pior das maldições?
Porque a vida é fácil
Para quem não vive, só existe.

Amor no conta-gotas

Todo dia eu me afogo
Nas lágrimas que eu não choro
E fico um tempo calado, no meu canto
Depois lavo o rosto e me recomponho
Esperando não afetar tanto
Aqueles que eu deveria amar

Mas, por enquanto, eu só amo
Aqueles que me fazem mal
Os que me mutilam, me cortam
Quem tiver um punhal
E estiver disposto a usá-lo
Ganhará meu amor incondicional
Maior do que o que eu tenho
Pelo gargalo da garrafa de vodka

Ora, como lutar pela vida
Se a vida é o meu próprio desgosto
Como cicatrizar as feridas
Se o gosto do sangue quente
É tão atraente que, sem fé,
Rezo por uma gota

Eu estou viciado na dor
E vivo num paradoxo inexorável
Onde sorrir é bom
Porque é inefável
Tentar esconder o quanto isso me agrada
Por cortar-me o coração em pedaços
Vários, incontáveis
Lindos e ensaguentados;

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Anjo e Fogo

Menina do corpo marcado
E dos cabelos da cor da noite
Do coração fechado
Para outros amores

Que não sejam os seus, pessoais
Que não te resumam, em linhas gerais
É por ser impossível que me encanto
Por isso lhe dedico esse pequeno canto

E a fé que me falta na vida
Eu compenso nas suas feridas
Que vou ter prazer em beijar

E até a lua, que ilumina a sua dança
Como se fosses uma deusa cigana
Há de, por fim, se entregar

Bosta-nova

Nunca fui uma criança normal,
Mas tinha coisas normais de criança
Como desejar a independência
Que eu conquistei, sem fazer muito esforço

Nesse momento eu não sou mais que um jovem adulto normal
Melancólico, independente, solitário
Com prisão de ventre
Resultado dos medicamentos que agora controlam minha mente
E me mantém no caminho certo, dos adultos normais
Na estrada para o inevitável

Nem o cheiro da bosta me comove mais
A bosta que sou eu, acima de tudo
Escorre pela descarga, junto com os meus sonhos
Se misturando pelo ralo a baixo
Com a bosta dos outros adultos sem sonhos
Que estão mortos por dentro
Mas nem o cheiro dos mortos me incomoda
Porque eu sou independente
Como eu sonhava em ser quando era criança
E descobri que as crianças não sabem sonhar
As crianças só servem para ser sonhos.

Levanto do vaso e dou descarga
Mais uma crise de prisão de ventre
Dessa vez, desceram apenas meus sonhos
Solitários, como eu
Nem a bosta estava mais lá.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A invenção da roda

No começo eram só grunhidos e urros
Então, demos nome as coisas
Mas foi só uma declaração
Elas já existiam

Depois demos nome aos nossos filhos
E eles passaram a existir, a ser alguém
Até que tudo morreu
E permaneceram as palavras
Nas lápides e nos livros

Algumas palavras também morreram
E foram substituídas por outras
Como os filhos dos primeiros filhos
Que ficaram a mercê dos cartórios
E das celebridades do momento

E algumas celebridades viraram monumento
Mas todas morreram
Sendo que quase todas tiveram filhos
Que disseram suas primeiras palavras
Bem ao pé do ouvido daqueles de futuro certo

E até que detenham o tempo
Com um tiro certeiro da arma escondida
Nas palavras ditas por aqueles que não sabem andar, até lá
Até lá é tudo cíclico
Qualquer ponto final é só reticências.

Natureza morta

Hoje, de novo, preferi ficar em casa
Não me agradam mais as caminhadas, como antigamente
Contudo, poeta como sou, de nascença
Me ponho a refletir sobre as minhas memórias

E, de repente, me dou conta
Que tudo que eu tenho a minha volta
Não é mais que natureza morta

Do artificialismo político
Aos conceitos pré-concebidos
Dos sonetos escritos
Para falsos amores

A natureza chora, contrariando os dogmas da vida
Morta e sem perspectivas
Os seres são inanimados e o tempo parou