domingo, 26 de dezembro de 2010

Fim de noite

Vindos do estrangeiro
Que vive em casa
Esses versos podem até
Não significar mais nada
Do que deveriam ser

E se houver tempo
Para um pequeno conserto
Eu gostaria de dizer
Que eu só sou assim
Por não saber mais sobre mim

E de fato, se eu descobrisse
Que existem pessoas felizes
Por detrás das vitrines
Por debaixo das roupas
Se eu conseguisse diferenciar
As pessoas dos manequins

Sento e pereço lentamente
Acho que mereço a decência
De saber o porquê.
Afinal, OS meios se perderam
Antes do fim

Caminho entre mentes brilhantes
Tão desinteressantes
Por pensar em iluminar
Apenas o que julgam consonantes
Com o seu próprio brilho

Tento então seguir pelos flancos
Aos trancos e barrancos
Com mais pesar do que esperança
Me apego às lembranças e ao porvir
Porque hoje, infelizmente
Não deu pra mim.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Meia-noite

Já são mais de meia-noite
Eu ainda não dormi
Hoje já é amanhã
Apesar de hoje ser o que eu já vivi
E tudo se entralaça
Numa espiral confusa
Que transpassa e ofusca
O brilho fúnebre da lua

Eu deito no meu leito
Observando os répteis que se mexem
Na parede do meu quarto
São mais rápidos que o tempo
E se cruzam e cruzam no teto
Dando vida a mais segundos

No meio disso tudo
Numa completa idiossincrasia
Eu encho a boca pra dizer
Com toda a hipocrisia que me permito ter
Ahh, a vida!
Quisera eu tê-la vivido
No dia de ontem.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

À noite e à vida

Eu venero à Noite
Como deusa que ela é
Porque onde impera a escuridão
Impera a poesia

Reina, então, o sentido,
O sentir, livre
Que antecede o processo
De metamorfose semântica
Numa linha reta,
Que zigue-zagueia, ilógica:
O tempo

E a metáfora da vida
Que essa linha vivida
Representa, tem sido sufocada
Pelo excesso de luz
Eletricidade e alegria artificiais
Que a humanidade se impõe
Para continuar funcionando
Como a máquina mórbida
Que nunca jaz
Porque nunca viveu.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

No fim do dia

Divago sobre a morte, a dor e o amor
As palavras se repetem
E parecem se misturar formando uma só
A noite eu me deito e no ínterim obscuro,
Desalojado de mensuração,
Que compreende o momento da cabeça
No travesseiro
Até a redenção do dia-a-dia
O sono
Fico pensando o que não deu certo
Que a vida é um abcesso no meio do nada
Com os olhos fechados e a cabeça cheia de palavras
Eu sigo reto a estrada
Para sonhar com meus sonhos
E acordar com a alma lavada
Para que no fim de cada dia
Toda a poesia da vida possa ser questionada.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Amargura

Acho que eu estou para morrer
Porque ando dormindo pouco
Como os velhos moribundos
Presos por pouco no corpo
As carícias também diminuíram
Como quem se contenta com a vida
E sofre em silêncio
Porque eu sou muito superficial
Para trazer meus sentimentos à tona
E muito sentimental
Para viver na superfície
Aguardo, então, o momento de partir
De descobrir, de solucionar
Será o climax
Ou será o final?

Por favor, que seja o fim.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Extraordinário

Eu quis ser extraordinário
E consegui
Ser extraordinariamente triste
Que Deus me perdoe
Se ele existir
Que minha mãe me perdoe
Se ela conseguir
Porque agora eu só consigo ficar deitado
Olhando para o teto
Pedindo para ele desabar
Eu só consigo amar o tabaco
Mas nem ele parece me amar
Meus pulmões estão fortes
Com sorte não vai durar
Muito tempo
Até que eu tenha câncer
E morra
Infeliz,
Extraordinariamente.

Até agora

20 anos
A plenitude da juventude
O pior ano da minha vida
Até agora.

Eu quis me reiventar
Acabei me perdendo
E destruí
Pra construir
Me tornei niilista
Provisoriamente
Pra tentar achar um novo sentido
Mas fiquei preso
Estou preso na crise de meia-idade
Não adianta fingir que teve um lado bom
Foi tudo
Uma completa bosta
Não tenho a pureza da bailarina
Ou a vontade da prostituta
Aos 20 anos
O pior ano da minha vida
Até agora.

Remorso

Um dia eu me excedi
E fui consumido pelo remorso
Então eu dormi bastante
Mas acordei meio impotente
Sendo consumido pelo remorso
Foi então que eu voltei a dormir
E dormi o suficiente
Acordei no meio da noite e fui caminhar
No fim de semana que nunca terminava
Nas férias que nunca chegavam
Eu dormi, cansado
Consumido pelo remorso
Me achei jogado, numa lata de lixo
Lugar mais que merecido
Para quem foi consumido
Pelo passado. Pelo remorso,
de ter feito tudo errado.

Afinal de contas,
eu sou um cara ruim?

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Que eu fiz comigo?

Quebrando a cabeça para afastar os instintos
Usando a cabeça para ficar de bem comigo
O mundo inteiro vira de ponta a cabeça
E o quebra-cabeças continua sem ser resolvido

Que merda eu fiz comigo?
Que merda eu fiz comigo?

Usando cocaína como antidepressivo
E brigando com meus melhores amigos por abrigo
Invejando os meus piores inimigos
Os mais dilacerados, os mais fudidos
Não estão nem perto de onde eu cheguei

Que merda eu fiz comigo?
Que merda eu fiz comigo?

Sou uma lenda do rock morta, antes de ter nascido
Sou o nobel da paz que fuzila inocentens palestinos
Sou demais eu mesmo para escolher outro caminho
Sou o poeta em busca da palavra certa
Que dê sentido às feridas abertas, por puro egoísmo

Que merda eu fiz comigo?
Que merda eu fiz comigo?

Língua solta

Queimei todos os caminhos que levavam a Roma
E me pus a vagar ermo e cansado
Desfrutando da miscelânea em que se transformou
A última flor pura do Lácio
Cheia de metáforas e gírias
Que a tornam tão vulgar quanto atraente
Conserva ainda para si, entretanto
Os segredos da comunicação com os antigos mestres
Os bastardos indecentes que souberam externar
Por palavras incoerentes, as mais coesas proesas

Cada língua é uma babel por si só
Uma meretriz inconfidente das dores dos homens
E você tem que extraí-la, você tem que subjulgá-la
Sobretudo amá-la, como uma prostituta que não teve escolha
A empatia com as palavras te colocará no limbo
Do pensamento extravagante
A loucura baterá à porta e você, ofegante
Não fará questão nenhuma de rechaça-la
Lhe pagará um drink, e então há de amordaçá-la
Guardando-na no bolso e estuprando-a na solidão
Tudo isso em palavras, versos, hieróglifos
O amor é a base de todo o ódio
E as sílabas, profetizas renegadas
Medusas atuais da humanidade
Vão se sobrepor ao seu senso de bondade
E por fim vão se pronunciar:
Não há sentido em nada, a não ser na linhas
E letras que formam de uma imagem borrada
A um reflexo perfeito do que você abriga no peito

O português já não existe. Soltaram a língua.
Ela morreu de desgaste.
Bem vindo ao século XXI, fume, beba, cheire
O som angelical do arpejo costumaz que têm
A seminal e eloquente descoberta de um novo sentimento
Tudo é amor. Tudo é palavra.
Nada é amor. A palavra está morta.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Vai dar tudo errado

Desculpe não poder te dar atenção
Estou meio ocupado, tentando te conquistar
E pra variar, inflando o meu ego de sensações
Das quais eu possa me lembrar
Quando começar a descer pra valer

Eu vou mudar, vou te esquecer
Vou construir um clone que não se pareça com você
Pelo simples fato de me amar
E vai me amar até quando eu morrer
E vai segurar minha mão e me lembrar
Que eu ainda amo você

O tempo é relativo, isso é tão clichê
Mas na verdade o que você não disse
É o que eu preciso esquecer
Eu encarei tanto tempo o abismo
Que ele me encarou de volta
Bem como Nietzsche previu
Mas pra mim foi como se fosse
A invenção da roda

Roda-viva, porta voz ativa da minha decadência
Exuberante, cheia de vida
Exibindo as feridas de uma vida errante
Vai dar tudo errado
Vai dar tudo errado
Eu estou tão ferrado que só o que me sobrou
Foi aquela semana do passado
Cheia de lírios brancos
Tempestade e ímpeto
Cd's de folk antigo e poesias sem talento
Vai dar tudo errado
Vai dar tudo errado
De novo e de novo e de novo
Amanhã é dia de viver o passado.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mentiras

A verdade é questão de ponto de vista
Mas existem mentiras absolutas
Ditas de forma deslavada ou de cara limpa
Por omissão ou por uma simples conduta

E contra essa praga que nos assola
O melhor remédio é abraçar o conhecimento
Fazendo dele um instrumento
Contra as coisas que nos devoram

Mas não podemos fazer dele um monumento
Mantendo sempre a cabeça aberta a novas idéias
Amenizando um pouco o pesar e o desalento

Abdiquemos do que dizem que nos fará feliz
E sejamos heróis das nossas próprias epopéias
Pois o melhor mentiroso, é o que acredita no que diz

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A corda

Ela se estica
E envolve sua jugular
Maciamente repousa
Sobre as veias do pescoço e da nuca

Um empurrão e ela se aperta
E ninguém é tão teimoso
Que não aprenda com a brutalidade
Que às vezes a vida impõe em sua lições
Metaforseada em corda

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O jovem

Errático, lunático, profético
Quase eclesiástico; um santo moderno
Possesso pelos demônios do passado
Encobertos por sonhos funestos

Vagando pelos clichês a tentar
Enxergar os porquês nas entrelinhas
Onde as miudezas da vida amiúde
Se sentam à mesa para comer as virtudes

Sozinhas, se fazem presentes
Por um instante, a serem vistas
Por estranhos videntes

O jovem caminha por entre os dentes
Da vida, um dia sadia
Hoje, apenas decadente.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O tempo II

Mas não devemos desprezar o passado
Porque o presente foi moldado
E é moldado pelo passado
Mas quando foi presente
E pensamos, às vezes, em ter agido diferente
Mas não adianta
O passado não passa de um presente obsoleto

Façamos então dos atos presentes
Uma vida que valha a pena
Façamos da vida um presente
Porque ela nada mais é que isso
Um presente constante
Para que o futuro seja mais brilhante
E o passado, passado para trás
Mas visto com menos angústia

Aprendamos.

sábado, 13 de novembro de 2010

O tempo

A vida é o presente
O presente é apenas o agora
Porque o que é passado já se foi
E nunca mais será nada

Continuamos a buscar o futuro
Como se movidos a esperança
Desgraçando as lembranças
É tudo tão tangível quanto o vazio
Que comporta a sua existência
Humana, por convenção
Miserável, por consequência

O relógio foi inventado para orientação
E para apaziguar o seu coração
Desorientado
Pelo tédio profundo
Contando os segundos para o futuro
Deixando para traz o passado
E esquecendo, que a vida é um presente
Se for entendida como o presente
E mais nada.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Reflexivo

     Acordei com o toque do celular. O qual, aliás, sempre me irritava. Já deveria tê-lo trocado há muito tempo. Atendi meio sonolento:
    • Alô?
    • Heitor, já está pronto? - reconheço a voz doce, quase infantil de Agnes do outro lado da linha.
    • Pronto para o quê? - perguntei, ainda meio lisérgico.
    • Você não muda nunca, mesmo. Esqueceu-se que combinamos de ir ao parque de diversões hoje?
     Repentinamente me lembrei do compromisso que havia agendado na noite anterior.
    • Ah, Agnes, não podemos fazer um programa normal de adultos, como ir ao teatro, ao cinema ou para o quinto dos infernos?! - argumentei, tentando me esquivar.
    • A juventude é um estado de espírito, meu querido! - respondeu, como se eu fosse ser convencido por esses clichês de novela.
    • Tudo bem, eu pergunto para o meu espírito quantos anos ele tem quando ele acordar.
    • Ora, você me prometeu, seu infeliz.
    • Eu teria prometido bater de porta em porta pregando a palavra do Senhor depois de cinco doses de tequila.
    • Não me venha com essa, sua torpeza não vale como desculpa para mim. Logo eu, que já te carreguei tantas vezes para casa. Te aguardo no local de sempre, às duas horas.
    • Está certo – resignei-me, por fim. Não conseguia mesmo resistir aos pedidos de Agnes.
     Terminei a chamada e olhei para o relógio. Já passava muito da uma da tarde. Levantei-me apressado, vesti a primeira roupa que me veio às mãos, me encaminhei até o banheiro, joguei um pouco de água no rosto, escovei rapidamente os dentes, peguei meu maço de cigarros e meus óculos escuros e saí resmungando.
    • Que diabos! Parque de diversões! Era só o que me faltava.
     A casa de Agnes não ficava muito distante da minha, devia ser uns quinze minutos de caminhada. Sempre que íamos fazer alguma coisa, marcávamos de nos encontrar na pequena praça que ficava em frente a sua residência. Desta vez, porém, ainda lutando contra os meus olhos, que teimavam em fecharem-se sozinhos, demorei mais do que de costume no trajeto.
      Quando cheguei ao, naquele momento, malogrado lugar, avistei-a, sentada num dos bancos que ficavam encrostados por entre pequenas árvores. Ao avistar-me, não fez a mínima questão de esconder a impaciência:
    • Certamente que você não tem ascendência britânica! - disse num tom jocoso.
    • E para que eu hei de querer ter na minha linhagem aqueles bastardos ingleses? As únicas coisas boas que saíram da Inglaterra foram algumas bandas de rock e a Kate Moss.
    • Como se você também não fosse um bastardo! Me fez esperar aqui mais de meia hora.
    • Me dê um tempo, vai! Eu estou fazendo o favor de te acompanhar até esse parque. Por que raios você tem que me levar nesse túnel do tempo que desemboca na sua infância?
    • Porque você é meu melhor amigo, quem mais iria aceitar ir comigo?
    • Com certeza, ninguém com mais de 15 anos e em pleno gozo das faculdades mentais.
    • Sorte minha que você é maluco! Agora vamos, temos um longo dia pela frente.
     Por inércia, acompanhei-a e fomos conversando sobre coisas banais, como a noite de ontem ou como ela achava que eu parecia que iria a um velório. A verdade não era muito diferente, eu estava prestes a enterrar a minha dignidade. Acendi um cigarro e segui o cortejo fúnebre.
     Não demoramos a chegar ao parque. Ficamos algum tempo na fila e então pagamos nossas entradas. Não demorei também a sentir vergonha de estar naquele local. Parecíamos ser os únicos adultos ali que não estavam acompanhando os filhos. Sortudos! Podiam até estar se divertindo, mas sempre teriam nos filhos uma prova cabal, junto ao ar de tédio, do motivo pelo qual estavam ali.
     Era tudo muito colorido e, não fosse pelos meus óculos escuros, certamente haveria o risco de eu me cegar ao olhar desavisadamente para um algodão doce ou uma pista de carrinhos de batida. Agnes, entretanto, se deliciava com todo aquele ambiente. Nunca entendi porque nos dávamos tão bem, e por falta de explicação melhor, aderi à velha teoria de que os opostos se atraem.
     Ela foi logo me puxando pela mão para que fossemos à montanha-russa. Eu, preocupado em preservar minhas córneas, instintivamente fui caminhando junto a ela. Havia uma pequena espera, e na frente, uma placa indicativa da altura mínima, que fez com que meu rosto se enrubescesse.
     Chegou nossa vez, subimos e nos aprontamos. O trajeto começou e entre descidas, subidas e loopings, meu estômago fez-me o favor de se fazer presente. Não tinha comido nada o dia inteiro e ainda tinha vomitado boa parte do que consumira no dia anterior. Ao final do trajeto, Agnes era pura felicidade, enquanto eu sentia um mal-estar terrível. Sempre sensível, ela perguntou se eu estava bem. Acenei positivamente com a cabeça, mas disse que ia descansar.
    • Vou contigo, então – disse, solícita.
    • Não é preciso, vou me recuperar em breve, vá se divertir. Afinal de contas, foi você que fez questão de vir. Não se importe comigo. Vou sentar em algum lugar e te ligo quando me sentir melhor.
    • Tem certeza?
     Apenas olhei-a dentro dos olhos, virei as costas e caminhei em busca de algum lugar em que eu pudesse me sentar ou lavar o rosto. De repente, percebi uma tenda, onde na frente lia-se uma placa em letras maiúsculas: “CASA DOS ESPELHOS”. Olhei em volta e não avistei nenhum lugar no qual houvesse a possibilidade de me aprumar. Pensei que poderia relaxar um pouco e talvez até soltar algumas risadas com meus reflexos desfigurados, ali. Retirei os óculos escuros e entrei.
     O local estava completamente deserto. Naquele pequeno pedaço do céu para as crianças, e até mesmo para alguns adultos – vide Agnes – onde era possível se drogar naturalmente, com endorfinas e outras substâncias que causavam prazer, a sala espelhada era uma das últimas opções de diversão. Contudo, o fato de estar vazia só aumentou meu desejo de permanecer. Dei uma pequena volta, olhando as imagens tortas que se faziam ali presentes. Tudo era eu, de uma ótica diferente. Comecei a refletir sobre aqueles reflexos e pensar que aquilo tudo era uma pequena maquete da sociedade em que eu vivia, do meu mundo privado. Cada um me enxergava de um jeito, para cada pessoa, eu possuía uma essência diferente, que fazia com que tivessem uma opinião diversa de mim. Nesse momento me questionei: qual dos eus ali presentes, seria o verdadeiro?
    • Eu sou você! - gritou uma voz atrás de mim. Olhei ao redor. A sala ainda estava completamente deserta.
    • Quem está aí? - perguntei elevando o tom de voz.
    • Eu sou você, prazer! - escutei novamente.
     Um pouco assustado, me virei e percebi que a voz vinha de um espelho central, turvo e fragmentado. Me aproximei lentamente. Foi quando o espelho fez um movimento diferente, puxou um cigarro e começou a fumar. Achei aquilo tudo loucura, que devia ser fruto do mal-estar que estava sentindo. Todavia não resisti à tentação de dialogar:
    • Como pode ser eu, se eu não me sinto você?
    • O que eu posso fazer se não é bom em se reconhecer?
    • Eu nunca me vi desse jeito, maldita alucinação!
    • A verdade, meu amigo, é questão de opinião.
    • Para de rimar tudo que eu digo, espelho estúpido!
    • Está nervoso porque eu sou o seu orgulho caído?
    • Você não passa de uma pobre assombração.
    • E que mais é você, dos ateus o mais cristão.
    • Olha, eu devo estar ficando maluco, mesmo.
    • Nisso eu concordo, estás a viver a esmo.
    • E como deveria então, me orientar?
    • Bom começo seria se livrar da máscara.
    • De que máscara você fala?
    • Daquela que você usa, no trabalho e fora de casa.
    • Mas eu sou o mesmo em todo lugar.
    • Nisso você está errado e eu posso provar.
    • De que maneira, pobre diabo?
    • Aquela moça linda, que veio ao seu lado...
    • Não abra a boca para falar dela.
    • É tão meiga e sincera...
    • Estou avisando, estou prestes a esmurrar-te.
    • Nossa dor será solidária, meu “cumpadre”.
    • Só se eu me cortar com algum dos seus cacos.
    • Já não é suficiente ter o coração em pedaços?
    • Eu não entendo nada do que você diz.
    • É porque ama aquela moça, mas ama mais ser infeliz.
    • E de onde vem tal conclusão?
    • Do medo que tens de ter uma verdadeira paixão.
    • Eu a amo mais que tudo, seu imundo!
    • Somos nós, só um vagabundo.
    • Vá cuidar de outro assunto, que te importa a vida alheia?
    • Eu sou você, idiota, nunca se esqueça.
    • Oscar Wilde deve estar a rir de mim abaixo dos campos de centeio.
    • Somos um Dorian Gray, porém mais feio.
     Deitei e pensei por alguns instantes. Comecei então a chorar, coisa que eu não fazia há anos. Não porque ele havia dito que eu era feio, mas porque eu começava a entender o meu eu verdadeiro. Meu amor por Agnes, minhas várias faces, eu tinha emprego, algum dinheiro, mas não tinha amor. Um frio tomou conta da minha barriga e senti meus cabelos se arrepiarem. Eu era um miserável, concluía, por fim. E coube ao meu espelho mostrar isso a mim.
     Sentei no chão e fiquei desconsolado. Depois de algum tempo pensando, uma fúria tomou conta de mim e me arremessei diante da superfície reflexiva urrando:
    • Me deixa viver minha vida de mentira!
     O espelho se espatifou em vários pedaços. Saí correndo, com medo que alguém pudesse ter presenciado a cena. Para o meu espanto, já era noite. Meu celular tocou. Nunca me agradou tanto aquela música ridícula. Era Agnes. Combinamos de nos encontrar na saída. Nos cumprimentamos e puxei-a para um táxi. Ficamos calados, até que ela tomou a iniciativa:
    • Você não parece bem.
    • Dormi em um banco e tive um sonho ruim.
     A conversa terminou ali. O táxi a deixou em casa, numa despedida rápida. Rumou então para o meu prédio. Desci e paguei, sério. Entrei em casa, ainda aturdido, o que tinha sido tudo aquilo? Mas eu estava exausto, tirei minhas roupas e deitei-me. Os acontecimentos daquele dia ecoavam na minha cabeça. Cheguei a conclusão de que tinha sido tudo besteira. Tomei um calmante e dormi tranquilamente. Não sem antes trocar a música do celular.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Versos de um estuprador

Vê se sossega e fica quieta
Sou estuprador, mas sou poeta
Nas horas ociosas de ereção
Acabando escrevendo sobre paixão

E não adianta gritar ou pedir
O socorro mora bem longe daqui
Agora a dor do desespero
É, da arte, o principal tempero

Aposto que eras uma menina mimada
O que queres do cardápio: pão ou água?
Trago também alguns versinhos
Sobre o tempo e os gênios extintos

A experiência não foi boa para você?
Que pena, porque eu morri de prazer
Me perdoem de da Vinci a Descartes
Mas o sexo é a melhor das artes

A poesia também tem seu valor
Bem que eu queria poder ser escritor
Quebraria o vaso chinês e com os cacos
Mataria na ilha o homem que queria um barco

Pensando bem, até que você é bela
Apesar de que não foi de forma singela
Nosso primeiro encontro de amor
Passear sozinha,com os olhos dessa cor?

Não quero saber da sua vida, apenas escuta
De tudo que há lá fora, não sou o que mais assusta
Seu corpo, pode até ser virgem de violência
Mas com certeza estupram todos os dias sua inteligência

E se me permite uma pequena colocação
Não do tipo que eu fiz ali, sob o colchão
Mas um comentário, que penso pertinente
Posso ser psicopata, mas não sou demente

Veja o meu caso, aqui na sua companhia
Sem calças ou remorso, fazendo poesia
Você me olha, pálida, com medo da morte
Enquanto mal sabe que ela é a maior das sortes

Porque o mundo está fadado ao fracasso
Eu só jogo esse jogo porque o tempo é escasso
Mas não quero ser hipócrita, até me divirto
O prazer é todo meu e nisso eu consinto

Mas qual a minha diferença para aqueles
Que vão à igreja, mas odeiam toda a gente?
Pensam que são melhores do que eu
Porque cantam músicas e preces para Deus

Eu ao contrário, não tenho máscara
Sou um desgraçado, causador de desgraça
Vamos mesmo para o mesmo lugar
Porque eu iria me propor a mudar?

Minha pena eu cumpro todos os dias
Sendo obrigado a conviver com a hipocrisia
Agora chega de poemas ou lamentos
Vamos logo, porque na segunda sou muito mais lento

Ah, por fim, se te interessa
Não vou pedir nenhuma recompensa
O dinheiro não me presta para nada
E com o tédio, o sexo me faz uma falta danada

É tão jovem, pequena senhorita
Há tempo para se acostumar a essa guarita
Porque se pensas em um dia voltar
Que fique claro que vou te adotar

Que comece o segundo ato!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A-moralidade ateísta

Olho pra cima
E vejo um javali e um urso em atrito
Numa chuva que se aproxima
Sem sair do lugar

Quem vai cair na poça de lama?
À esquerda de toda essa trama
Estampada acima da sala de jantar

Tento desvior o foco
E vejo a luz
Circuncidada por pequenos buracos negros
O interruptor é o meu jeito personalíssimo
De controlar o tempo

E desço as escadas dos meus olhos
Olhando pela janela
A lua, a terra, o mar de Minas Gerais
Nada disso me importa mais

Volto minha íris para o teto
Pensei que havia ali algum inseto
Interessante, meu céu é feito de concreto
E um dia há de desabar.

Entre mentes

Eu estava caminhando pela floresta
Quando avistei uma linda moça, meiga e terna
Descendo em minha direção
Direto do topo da montanha

Ela era loura, dos olhos azuis
Convidou-me para tomar um café
Na lanchonete que havia ali perto
Do lado do prédio em chamas

De costas, senti que ela me olhava de um jeito estranho
Me senti ameaçado e a esmurrei
Com socos e pontapés
Até que ela se levantou, com as faces cheias de sangue
E ordenou o menu ao garçom vestido de palhaço
Pediu uma torta e uma marionete
Disse que sentia falta de brincar
Eu pedi alguns confetes
Para o caso do Carnaval chegar

O palhaço então foi a cozinha e avisou
Que ali não se vendia tortilhas ou outras comidas
Apenas abraços e camisinhas

O nariz dela ainda sangrava
Achei-a atraente e até decente
Por rejeitar fazer sexo comigo naquele momento

O palhaço então chamou o gerente
Um vampiro alto e imponente
Que disse que teríamos que ir ao zoológico
Se não fossemos nos servir ali

Lembrei-me de um lugar cheio de animais
E a moça insistiu em me acompanhar
Chegando ao tal lugar
Acariciei suas faces
Minhas mãos estavam cheias de sangue, agora
De repente, o Leão solto no parque
Pulou e arrancou meu braço
Com uma só mordida e se foi para sempre

A garota ria e eu também
Amém! assim o sangue corre em todos nós
Dei a ela uma nota de 30 reais
Ela usou para limpar o nariz
E jogou para os pomborcegoa que viviam ali
Eles a devoraram com voracidade
Entremente eu pensava
Que tarde maravilhosa!

Soneto do Riso

O status quo é tão sedutor
Por que mudar se me agrada tanto a dor?
E resistindo à tentação de tentar resistir
Me entrego ao torpor de deixar de sorrir

E toda a medicina, psicologia
Psicanálise e curanderia
Se reúnem para debater
O que esse jovem garoto vê no sofrer

Tímido e com meus olhos provando que não minto
Depois de algumas doses de vinho tinto
Eu faço questão de que fique bem explicado

Todo esse circo, todo esse desejo
É porque ser triste me dá ensejo
A enxergar o que, realmente, é engraçado.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Os garotos

O garoto perfeitamente amado
Aprendeu junto ao garoto adulto,
Saudosista da infância que nunca teve,
A ver um mundo pálido
por detrás da fumaça dos seus pequenos charutos
Embalados em maços de 20 unidades

Caminhavam pra casa derrotados
Fundidos num corpo de quatro braços
Bêbados, humilhados
Chorando lágrimas salgadas
E com o gosto amargo na boca
Da sola dos sapatos das outras pessoas

Um deles caiu, o outro seguiu,
Sem sair do lugar
Entrelaçados num abraço
que nasceu depois de cinco anos de dores de parto
Se entreolharam e pensaram juntos:
"Os outros que se danem
Vamos fazer poesia".

Caminhos

Os comunistas se comunicam
Com palavras canibalistas e abaixos à dor
Os bandidos capitalistas
Levantam a bandeira da paz e do amor

E a geração que parou no tempo
Escolhe o seu lado à mercê do alheio
Fazendo com que o passado
Seja a lição que nunca aprendemos

Nós não conseguiremos nada
Se não abaixarmos as armas
Metafóricas ou não
E digerirmos as palavras
Absorvendo a nossa própria opinião
Ser diferentes é o mínimo que podemos tentar
E o máximo que vamos conseguir

Sejamos todos iguais!
Mas na capacidade de discernir
O que precisamos ter
Para sermos alguém
Vivendo em um lugar
Que não sejam necessários cumprimentos
E com um simples olhar reconheçamos
As idéias que vão nos guiar
E metamorfosear as sonhos e utopias
Em dia-a-dia.

Tenho dito

Eu sou o filho que toda mãe queria ter
Menos a minha
Eu sou o garoto que ninguém queria ser
Exceto eu
Quem me conhece sabe que eu estou realizado
Quem me vê, acerta, não tenho nem um centavo

Sou o mártir vilanizado
O herói martirizado
Pelo nada, por assim dizer
Com uns versos na cabeça
E um pão no bolso, para comer

Porque viver de poesia
É como viver de amor
Só é bonito escrito
A vida não é nenhuma flor
E tenho dito.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Ro!cosor

O melhor beijo que já tive
Foi aquele que você me negou
Me chamando de amor
E encostando os lábios na minha testa

Agora, só me resta seguir viagem
De carona no primeiro caminhão
Sozinho e dilacerado
Até encontrar o caminho para fora daqui

Até chegar em um lugar
Onde ainda não inventaram a solidão
Onde os sonhos não existem
Onde o único sonho é acordar

Por que dormir é tão bom?
Por que a insônia é o pior das maldições?
Porque a vida é fácil
Para quem não vive, só existe

Eu não tenho medo, eu não tenho amor
Eu estou aprisionado na teia da aranha-gigante
Que todos os dias tece o amanhecer
Fazendo o sol nascer e me engolir

Se é a prova que te faltava
Estão bem aqui, as notas rasgadas
Que eu estava guardando no bolso
Para minha última dose de whisky nacional

Eu acho que enlouqueci
E tudo que me dizem é pra pensar que sou feliz
Eu até tento mentir, mas sou um mau mentiroso
Porque só sabem contar mentiras
Aqueles que conseguem crer nas palavras
Que saem direto da garganta
Para fazer a sua última ceia

Por que dormir é tão bom?
Por que a insônia é o pior das maldições?
Porque a vida é fácil
Para quem não vive, só existe.

Amor no conta-gotas

Todo dia eu me afogo
Nas lágrimas que eu não choro
E fico um tempo calado, no meu canto
Depois lavo o rosto e me recomponho
Esperando não afetar tanto
Aqueles que eu deveria amar

Mas, por enquanto, eu só amo
Aqueles que me fazem mal
Os que me mutilam, me cortam
Quem tiver um punhal
E estiver disposto a usá-lo
Ganhará meu amor incondicional
Maior do que o que eu tenho
Pelo gargalo da garrafa de vodka

Ora, como lutar pela vida
Se a vida é o meu próprio desgosto
Como cicatrizar as feridas
Se o gosto do sangue quente
É tão atraente que, sem fé,
Rezo por uma gota

Eu estou viciado na dor
E vivo num paradoxo inexorável
Onde sorrir é bom
Porque é inefável
Tentar esconder o quanto isso me agrada
Por cortar-me o coração em pedaços
Vários, incontáveis
Lindos e ensaguentados;

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Anjo e Fogo

Menina do corpo marcado
E dos cabelos da cor da noite
Do coração fechado
Para outros amores

Que não sejam os seus, pessoais
Que não te resumam, em linhas gerais
É por ser impossível que me encanto
Por isso lhe dedico esse pequeno canto

E a fé que me falta na vida
Eu compenso nas suas feridas
Que vou ter prazer em beijar

E até a lua, que ilumina a sua dança
Como se fosses uma deusa cigana
Há de, por fim, se entregar

Bosta-nova

Nunca fui uma criança normal,
Mas tinha coisas normais de criança
Como desejar a independência
Que eu conquistei, sem fazer muito esforço

Nesse momento eu não sou mais que um jovem adulto normal
Melancólico, independente, solitário
Com prisão de ventre
Resultado dos medicamentos que agora controlam minha mente
E me mantém no caminho certo, dos adultos normais
Na estrada para o inevitável

Nem o cheiro da bosta me comove mais
A bosta que sou eu, acima de tudo
Escorre pela descarga, junto com os meus sonhos
Se misturando pelo ralo a baixo
Com a bosta dos outros adultos sem sonhos
Que estão mortos por dentro
Mas nem o cheiro dos mortos me incomoda
Porque eu sou independente
Como eu sonhava em ser quando era criança
E descobri que as crianças não sabem sonhar
As crianças só servem para ser sonhos.

Levanto do vaso e dou descarga
Mais uma crise de prisão de ventre
Dessa vez, desceram apenas meus sonhos
Solitários, como eu
Nem a bosta estava mais lá.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A invenção da roda

No começo eram só grunhidos e urros
Então, demos nome as coisas
Mas foi só uma declaração
Elas já existiam

Depois demos nome aos nossos filhos
E eles passaram a existir, a ser alguém
Até que tudo morreu
E permaneceram as palavras
Nas lápides e nos livros

Algumas palavras também morreram
E foram substituídas por outras
Como os filhos dos primeiros filhos
Que ficaram a mercê dos cartórios
E das celebridades do momento

E algumas celebridades viraram monumento
Mas todas morreram
Sendo que quase todas tiveram filhos
Que disseram suas primeiras palavras
Bem ao pé do ouvido daqueles de futuro certo

E até que detenham o tempo
Com um tiro certeiro da arma escondida
Nas palavras ditas por aqueles que não sabem andar, até lá
Até lá é tudo cíclico
Qualquer ponto final é só reticências.

Natureza morta

Hoje, de novo, preferi ficar em casa
Não me agradam mais as caminhadas, como antigamente
Contudo, poeta como sou, de nascença
Me ponho a refletir sobre as minhas memórias

E, de repente, me dou conta
Que tudo que eu tenho a minha volta
Não é mais que natureza morta

Do artificialismo político
Aos conceitos pré-concebidos
Dos sonetos escritos
Para falsos amores

A natureza chora, contrariando os dogmas da vida
Morta e sem perspectivas
Os seres são inanimados e o tempo parou

sábado, 30 de outubro de 2010

Ai, meu Deus

Deus existe? Não sei
Eu não acredito
Descobriremos quem está errado
Quando a morte bater à porta
Na verdade, não
Porque não existe nada depois da morte
Isso porque Deus não existe.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Coloquial

Eu queria ser viado
Porque os homens, em geral, são mais inteligentes
Sigo procurando a exceção
Por apreciar uma boa vagina quente

E se te escandaliza essas palavras
É porque tem um mínimo de moral cristã
Deus é só uma falácia
Que não entende nada de genitália

Se o preconceito ainda te toma
Não sou tão genial quanto Bocage
Mas que vás para o inferno
Esperando de quatro um milagre

Porque eu quero alguém que me compreenda
Mas não tenho prazer carnal no masculino
Então guardo bem os meus amigos
E me regozijo no carnaval

Mulheres normais, não se sintam mal por mim
Eu ainda as amo, sobretudo pela ternura
Mas, para companheira, eu preciso de alguém diferente, com outra postura
Uma amiga, mais que um amor.

Um trago

Acordei mais cedo, hoje
E há em mim uma inquietude que solicita atenção
Porque eu sei que é um dia
Especial por se tratar de exceção

Pego na mão o maço de cigarros
Procuro os fosfóros, porém, em vão
(Devia ter comprado um isqueiro, me repreendo)
Mas ainda é cedo demais e só me valem os fósforos
Que estão escondidos por debaixo das vicissitudes da minha existência
Sem eles, os cigarros me são inúteis

Mastigo um pouco de tabaco, para aliviar a tensão
Mas só penso nos fósforos
E nas idéias que eu tenho
Que são cigarros sem o que as acenda
Esses, estão perdidos pelo mundo,
Não faço idéia de quem tenha algum para me emprestar
E acho que nem são vendidos na padaria os fósforos
(metafóricos)

E minha poesia tem cheiro, tem sabor
Mas é inútil, não passa de mero devaneio
Porque a sua plenitude necessita de pegar fogo
Paradigmático pedaço de tabaco virgem
Aceso pelo coração dos que sonham
Ou dos que perderam todos os sonhos

Eu vou morrer, mas sei lá quando
A única verdade inefável agora é que estou com os pulmões limpos
À contragosto, porque o prazer pede sacrifícios
E luta, e morte lenta, imperceptível
Mas não tenho os malditos fósforos
E não tenho a maldita sorte
Sequer sei se tenho o maldito talento

Mas hoje é um dia de exceção
Nos tempos de exceção
E dizem que a chave da felicidade é o amor
Eu amo os cigarros, mas não tenho como os acender
Eu amo a poesia, mas mal a posso escrever
Para que um desconhecido a leia
E mastigue um pouco, só pra sentir o gosto
Que devia ser gasoso e chegar ao peito
E se, por acaso, um alienígena
Tiver uma labareda nos olhos
Ainda temos o Ministério da Saúde pra advertir
Que fumar causa dor, sofrimento e morte
Ler poesia, também
Amar também
Mas ainda vale, pelo prazer

Já é dia e a padaria já deve estar aberta
Vou buscar os fósforos e fumar
Fumar até morrer de desgosto
Enquanto escrevo, pra que alguém, algum dia
Entre na minha loja de inconveniências
E sirva-se, da minha poesia ardente
E que tome cuidado, pra não queimar por acaso o coração
Como eu fiz com meu braço esquerdo
Mas isso foi com um cigarro
Alías, de que importa,
A diferença é simplesmente de dimensão
A carne e o espírito
Vítimas do vício
Prisioneiros do fogo e da paixão

As guimbas estão no vaso
Dou descarga
As folhas estão no chão.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Imóvel

Até hoje só vivi em um lugar
Talvez por isso, me considere de lugar nenhum
O meu mundo, todo ele, não possui divisões
Nem lugares no qual eu nunca fui
Vivo em todos os lugares
Que são apenas um
Indivisível

Hão de me perdoar aqueles mais vividos
Mais experientes, que tem tantas marcas pra mostrar
Mas eu nunca soube o que é sair daqui
Tive vontade, até que o medo tomou conta
Até que a fome apertou feito criança

Eu posso até voar, mas rasante
Perto do chão, comendo larvas como os pássaros
Nunca ousando voar tão alto quanto avião
Sem a mínima noção do que irá acontecer
Já que ainda não sei como sair daqui
Desde que nasci, se não me falha a lembrança
É que eu vivo nesse lugar
Uma caverna chamada Esperança.

Sou um pagão esperando a volta do salvador ateu.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Confissão

Não sou poeta porque sofro
Se sofro, é porque sou humano
As letras é que teimam em se agrupar
E dizer algo que não sentem
Se apoderar da dor que não é delas
Roubando emoções alheias
Com a promessa malograda
De as levarem para sempre

Sou poeta porque sou ignorante
E ,apesar do meu materialismo,
Continuo a acreditar
Que escrever o que eu sinto
Possa, de alguma forma, abrandar
O cinismo que opera minha alma
Toda vez que a maldita crê
Que é feliz quem o quer ser

Em vão
Sou poeta eternamente
Desejando à exaustão
Nunca deixar de sê-lo

domingo, 24 de outubro de 2010

O alto da cidade

Aqui do alto da cidade
Da pra ver que os outros dormem
Junto aos meus amigos
Fumamos cigarros e bebemos vodka barata

Aqui em cima, nada importa
Não chega até a colina o cheiro de bosta
Que exala no convívio diário
Aqui em cima a cidade é nossa
E, mesmo que só por algumas horas,
A liberdade bate à porta

Vandalizando como crianças
Rolando no asfalto cheio de lembranças
Um portal pra outro mundo na madrugada
E o calor da amizade, na brisa gelada

Aqui em cima, um socialismo de reis
Somos todos Deuses, somos todos plebeus
Encostados no carro, com vontade de vomitar
Rindo alto e gritando pra ninguém escutar

Aqui em cima, nada importa
Não chega até a colina o cheiro de bosta
Que exala no convívio diário
Aqui em cima a cidade é nossa
E, mesmo que só por algumas horas,
A liberdade bate à porta

Às seis, o sol vem nos expulsar
Por trás do letreiro em francês
Não leva em conta se ali é o nosso lugar
E se voltaremos a ser infelizes
Descendo
Voltando ao lodo
Agora, só a madrugada nos pertence
Vampiros modernos
Mordendo pelo pescoço o sincero presente
Que só a lua soube entender.

sábado, 23 de outubro de 2010

Há quase um ano

Vá, eu tenho muita esperança,
Mas às vezes esbarro na herança da minha raça
E me canso de tentar conquistar o que eu queria

Bem que eu tentei de outras formas
De doces a rosas
Mas só me resta na cartola
A tal da poesia

Pra convencer-te de tal maneira
Que eu não pareça igual a tudo que vivestes
Eu, que ignoro o seu passado,
Mas quando vejo os seus olhos,
Tão de perto ou em fotos,
Cético que sou,
Busco saídas no horóscopo,
Desprezo o carnaval.

E na boemia a que me entrego
Com a experiência de um sacerdote
Faz falta a tua presença
Na liturgia dos velhos bares

Sei que talvez eu possa,
Não inspirar-lhe muitas certezas
Sei que a aposta é cara
E talvez que o prêmio, não compensa
Então, só me resta que meus versos
tão brutos e simples
Te envolvam, mudos e sinceros
Em um abraço roubado e gostoso
Tão poderoso
Meio doce e meio amargo
Com aquela pontinha de medo no peito
E o sorriso aberto na cara

É minha última cartada
Antes de perder o que eu nem cheguei perto de ganhar
Eu não preciso te conhecer pra gostar-lhe
Basta saber que, cético que sou,
Deixo a intuição me levar
E abandono por você todas as minhas convicções.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Flor de Cemitério

Uma flor tomava sol ao meio-dia
Exalando ousadia
Desafiando velhos poetas
não era amarela, nem medrosa
Rosa altiva vermelho-sangue
Solitária ne encosta de um cemitério

Não queria ser funcionário público,
Nem advogado, nem médico
Mais do que tudo, almejava ser flor
Solitária na encosta do cemitério
Um pouco de cor ao cinza das lápides

Não precisava ser regada
Se alimentava da morte
Sorte de quem vive no cemitério
e é amiga do coveiro
Garçom dos mais prestativos

Alma não tinha
Nunca aprendeu a rezar a ave-maria
apesar de ouvi-la quase todo dia
Também, que importa,
Pra quem fotossintetiza amor?

Ás vezes o vento a tirava pra dançar
a valsa dos diferentes
Solitários na encosta do cemitério
Loucos dançando sem música
Cambaleando sem sair do lugar

Devia estar ali há duzentos anos
Nunca morreria
Até o fatídico dia
em que foi colhida
e morreu nos cabelos de uma mulher.

Nada

Eu me entrego a você
Mesmo sem saber no que pode te ajudar
Talvez pelo exemplo do que não fazer
O alívio de não ser eu

Eu me entrego a ti
Com o sangue não metafórico que ouso derramar
Tome um drink logo
Que já vai cicatrizar
E retornar a condição de mera linguagem

As palavras, efêmeras,
Têm demonstrado muita dificuldade
Em combater com eficiência
A ditadura das imagens
Que perderam o controle e
têm a insolência de se revoltar
Aguçando os cinco sentidos de maneira controversa
Pobres, palavras, coitada delas!
Nas eras modernas tem que se aproveitar da omissão
Mentir, sim, por que, não?
A verdade, agora, pertence às imagens.

Eu quero me entregar
De um jeito que não tenha volta
Olhar para o céu e blasfemar
"Que paredes tortas"
O sol se apagou, no interior do meu quarto
É madrugada, toda artificial
Não possuo nada,
Tal qual eu sempre sonhei
Eu sou o escravo liberto
Com responsabilidades de rei
Sou esperto o bastante para saber
que olho sempre pro mundo
E o mundo fingi que nunca me vê
O nada me cortejou e, fácil que eu sou,
Entreguei-lhe, com satisfação, todo o amor que eu nunca vou ter.

27 anos

Faça soar de uma maneira
Que as palavras sejam coisas secundárias
E que você faça se entender
Pela beleza que transpassa, rara

Aniquila o ódio que embala os seus sonhos
E ame sem precisar dizer "eu te amo"
Comunicaremo-nos pelas entrelinhas
Entre conversas fúteis e mesquinhas

Você vai me reconhecer
Quando notar que já não tem mais esperança
E vai crer que se voltasse a ser criança
Nada ia mudar

O sorriso estampado na fotografia
Parece tão mais colorido
De que eu me lembro ter sido aquele dia
Que eu ainda não tinha a capacidade de prever
No qual eu não fazia planos de morrer
Aos 27 anos

E as camisas amarrotadas
Que passaram tanto tempo no meu corpo
Foram lavadas pelo meu suor
Que cai em gotas e evapora logo que começa a escorrer

O inferno é aqui mesmo
Eu sei que os Demônios vivem aqui dentro
Apertados e sedentos
Loucos para ver a luz do dia
Mas também sei que eu sou meu Deus
Mais que tudo, um campo de batalhas
Travadas incessantemente e,
Tão pouco castas
Quando eu te disser as primeiras palavras
Não importa o que houver
Olhe nos meus olhos
Você vai me reconhecer.

O futuro

O futuro é apenas um universo paralelo
Que construímos com nossos sonhos
Pequenas plantas rasas do porvir
Que serve de analgésico à realidade,
Frustrante presença amiúde

Por que viver, se podemos sonhar?
E por que não sonhar, se temos que viver?
É madrugada e eu me recolho ao quarto
Mais uma noite sem sono, fruto de um dia comum
Planejo metodicamente o dia de amanhã
Que nunca chega
É hoje; sempre.

Cambaleio por entre estradas metafóricas
Numa denotação de desespero
Ruborizando as minhas faces
Desapontado
Chega de sonhar
Só quero dormir.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

História em números

--------------------------------0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
-------------------------------0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
------------------------------0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
-----------------------------0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 -----------------------------0 0 0 0 0 0 0
----------------------------0
---------------------------0000000000000000000000000000000000000
-------------------------------------------000000000000000000000
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-------------------------------------------000000000000000000000
-------------------------------------------000000000000000000000
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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A universidade

A universidade,
Santidade do conhecimento
Paisagem esculpida por entre a cidade
Abrigo de notáveis detentos

Advindos de vários lugares
Reunidos em busca da erudição
Portadores de sotaques peculiares
Todos com sede de revolução

Futuros líderes nacionais
Trazendo à tona a racionalidade
Adestrando os semelhantes animais
Com seus diplomas de superioridade

Nos caminhos circulares
Da santa universidade
É que o instinto animalesco
Vence o bom senso

E a seleção natural dos mais fortes
Força os sagazes acadêmicos
A imporem a sua autoridade
à mínima demonstração de talento

Expondo seus fracos méritos
Debatendo nos corredores a salvação
Ganhando aplausos sinceros
E a tão sonhada absolvição

Quando, por fim, deixam o monastério
Sentem falta dos lugares marcados
Dos jogos de cartas marcadas
E do despaltério velado
Com que eram tratados

Formam sua própria ninhada
Em busca do preenchimento do nada
Agora são escravos das palavras
E descobrem que tem um dois de paus
Ao invés de um às de espadas

Sem escolha, seguem em frente
Agora sem a bolha aderente
Rangem os dentes para o Estado
E pegam o primeiro osso jogado
Maldita universidade;
Monumento à saudade.

domingo, 12 de setembro de 2010

Realismo-romântico

Dos tempos dos homens modernos
que só sabem o seu final
Num mundo de caminhos abertos
Da linha tênue entre o bem e o mal
Daqueles de olhos tristes
Que enchem os lábios com cânticos
Da geração que não vive, existe;
Eu lhes apresento o realismo-romântico

Do futuro cheio de saudades
De lembranças doces da infância
Dos sonhos e metas por alcançar
Os homens que comem esperança
Talvez o melhor que há
pra não se afogar em pleno mar furioso
Cavar bem devagar com a pá
Em busca de ouro ou osso

Dos céticos que pedem perdão a Deus
Da inveja da vida de um simples plebeu
Da consciência de mundo
Adquirida em poucos segundos
Dos anos perdidos sem sair do lugar
E das lágrimas iluminadas pelo luar
Das religiões construídas com budas e santos
Me corta o coração observar o realismo-romântico.

Os óculos escuros talvez sejam os culpados de tudo.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Curiosidade

A cada segundo me pergunto
Se o que me proponho:
A ser infeliz por um sonho
Não é só uma desculpa
Pra poder ficar só

E fumo no banheiro de um quarto de hospital
Um pequeno suicídio diário
Que torne suportável a vida real

Mas às vezes eu passo dos limites
E já não sei se existe, em mim
A noção de bem e mal

No amor de verdade não existe ingratidão
Nem, tampouco, o ódio se transforma em perdão
Por simples inércia temporal

Eu vivo, simplesmente,
Do conflito presente,
Por curiosidade aparente
De descobrir no final
Se eu sou mais humano que animal.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Minhas Olheiras

Minhas olheiras falam por mim
Revelam quem eu sou
Quem eu não quero ser
Meus desejos, anseios
O peso que me é viver

Minhas olheiras não mentem
E tem um quê de divinas
Fascinam-me ante ao espelho
Riem-se dos meus medos
Me lembram de quando eu fui são

Minhas olheiras tão negras
Minhas amigas sinceras
Deixem de lado o egoísmo
Dividam meu rosto comigo
Permitam o sangue correr

Minhas olheiras queridas
Eu juro que as amo
Mas devolvam meus planos
Devolvam meus sonhos
Me deixem dormir

Minhas olheiras eternas
Genealogicamente perfeitas
Tão incompreendidas
Filhas dos pais da vida:
A tristeza e o amor

Minhas olheiras reais
Ingênuas por natureza
Sentem-se comigo à mesa
E me desmintam:
Não, eu não estou bem.

Tentando Quebrar a Janela

O mundo é um quarto de hospital. Alvo, tranquilo e basta abrir as cortinas para ver o sol brilhar lá fora. Você está ali, mas é apenas uma fase, um estágio e logo você estará vivendo o esplendor do dia radiante que, por vezes, se oculta às cortinas. Você se esforça para melhorar rápido, para sair, você suporta a dor intermitente e os tubos entrando e saindo pelos mais diversos orifícios do seu corpo. “Vai ficar tudo bem”, diz a simpática enfermeira, irradiando bom humor. As pessoas riem, contam piadas, umas poucas estão pensativas, concentrando-se em ler o folheto do hospital.
A partir daí você começa a se acostumar, o soro é um membro do seu corpo, inseparável. Você tem muitos amigos, um em cada quarto pelo qual passou. Conversam sobre quando sairão do hospital, sobre o que farão depois e pactuam em se esforçar no tratamento. Numa dessas conversas, discutem a paisagem do lado de fora e, estranha, mas mágicamente tem visões completamente diferentes que acabam por se fundir e chegar à uma imagem parecida, dissonante nos pequenos detalhes.
Mas há algo ali que o incomoda, um barulho ocasional, violento, seguido por gritos animalescos. Com o tempo você descobre que há um homem que se recusa em seguir o tratamento, que não têm amigos e pouco fala. Ele é considerado um louco, mas como não é violento e é pouco sociável, fica misturado ao resto dos pacientes, pois o hospital não tem uma ala psquiátrica especial. “Ele está tentando quebrar as janelas novamente”, você escuta os comentários pelo corredor. “Louco, porque tentar sair de um lugar no qual até os médicos fazem questão de serem tratados?”.
Seus amigos mudam, chegam novos e dizem que os que não estão mais lá, estão curtindo a vida plenamente. Você fica satisfeito, não vê a hora de chegar sua vez. Faz planos de ligações, viagens. Descanso, enfim.
E quando a hora finalmente chega, você está radiante, te levam à uma sala. Extasiado, você não percebe as feições incolores das pessoas com quem tem contato naquele dia. O procedimento final tem início, você é anestesiado única e exclusivamente pela esperança. Ah, que sedativo poderoso! De repente, um barulho. Maldito homem tentando quebrar a janela. Dane-se, que importa nesse momento?! Mais batidas.
Estão segurando a sua a mão. Silêncio.
Preto.