segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Língua solta

Queimei todos os caminhos que levavam a Roma
E me pus a vagar ermo e cansado
Desfrutando da miscelânea em que se transformou
A última flor pura do Lácio
Cheia de metáforas e gírias
Que a tornam tão vulgar quanto atraente
Conserva ainda para si, entretanto
Os segredos da comunicação com os antigos mestres
Os bastardos indecentes que souberam externar
Por palavras incoerentes, as mais coesas proesas

Cada língua é uma babel por si só
Uma meretriz inconfidente das dores dos homens
E você tem que extraí-la, você tem que subjulgá-la
Sobretudo amá-la, como uma prostituta que não teve escolha
A empatia com as palavras te colocará no limbo
Do pensamento extravagante
A loucura baterá à porta e você, ofegante
Não fará questão nenhuma de rechaça-la
Lhe pagará um drink, e então há de amordaçá-la
Guardando-na no bolso e estuprando-a na solidão
Tudo isso em palavras, versos, hieróglifos
O amor é a base de todo o ódio
E as sílabas, profetizas renegadas
Medusas atuais da humanidade
Vão se sobrepor ao seu senso de bondade
E por fim vão se pronunciar:
Não há sentido em nada, a não ser na linhas
E letras que formam de uma imagem borrada
A um reflexo perfeito do que você abriga no peito

O português já não existe. Soltaram a língua.
Ela morreu de desgaste.
Bem vindo ao século XXI, fume, beba, cheire
O som angelical do arpejo costumaz que têm
A seminal e eloquente descoberta de um novo sentimento
Tudo é amor. Tudo é palavra.
Nada é amor. A palavra está morta.

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