quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Um trago

Acordei mais cedo, hoje
E há em mim uma inquietude que solicita atenção
Porque eu sei que é um dia
Especial por se tratar de exceção

Pego na mão o maço de cigarros
Procuro os fosfóros, porém, em vão
(Devia ter comprado um isqueiro, me repreendo)
Mas ainda é cedo demais e só me valem os fósforos
Que estão escondidos por debaixo das vicissitudes da minha existência
Sem eles, os cigarros me são inúteis

Mastigo um pouco de tabaco, para aliviar a tensão
Mas só penso nos fósforos
E nas idéias que eu tenho
Que são cigarros sem o que as acenda
Esses, estão perdidos pelo mundo,
Não faço idéia de quem tenha algum para me emprestar
E acho que nem são vendidos na padaria os fósforos
(metafóricos)

E minha poesia tem cheiro, tem sabor
Mas é inútil, não passa de mero devaneio
Porque a sua plenitude necessita de pegar fogo
Paradigmático pedaço de tabaco virgem
Aceso pelo coração dos que sonham
Ou dos que perderam todos os sonhos

Eu vou morrer, mas sei lá quando
A única verdade inefável agora é que estou com os pulmões limpos
À contragosto, porque o prazer pede sacrifícios
E luta, e morte lenta, imperceptível
Mas não tenho os malditos fósforos
E não tenho a maldita sorte
Sequer sei se tenho o maldito talento

Mas hoje é um dia de exceção
Nos tempos de exceção
E dizem que a chave da felicidade é o amor
Eu amo os cigarros, mas não tenho como os acender
Eu amo a poesia, mas mal a posso escrever
Para que um desconhecido a leia
E mastigue um pouco, só pra sentir o gosto
Que devia ser gasoso e chegar ao peito
E se, por acaso, um alienígena
Tiver uma labareda nos olhos
Ainda temos o Ministério da Saúde pra advertir
Que fumar causa dor, sofrimento e morte
Ler poesia, também
Amar também
Mas ainda vale, pelo prazer

Já é dia e a padaria já deve estar aberta
Vou buscar os fósforos e fumar
Fumar até morrer de desgosto
Enquanto escrevo, pra que alguém, algum dia
Entre na minha loja de inconveniências
E sirva-se, da minha poesia ardente
E que tome cuidado, pra não queimar por acaso o coração
Como eu fiz com meu braço esquerdo
Mas isso foi com um cigarro
Alías, de que importa,
A diferença é simplesmente de dimensão
A carne e o espírito
Vítimas do vício
Prisioneiros do fogo e da paixão

As guimbas estão no vaso
Dou descarga
As folhas estão no chão.

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